quinta-feira, 29 de julho de 2010

Cecília Meireles

“Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!”


Rebelião das Palavras


Ai, palavras, ai, palavras. As pequenas e as grandes, as nobres e as malvadas. Mesmo com toda sua diversidade, as palavras se unem em um gesto e pedem um espaço para soltar sua voz. A voz é de reivindicação, querem manifestar seu desgosto e mostrar ao falante com quantas e quais palavras se faz um protesto.


Comecemos com as palavras de reclamação, que falam mais alto. As palavras de reclamação estão reivindicando férias. Elas têm se sentido escravas da humanidade, pois são requisitadas o tempo inteiro e usadas indiscriminadamente contra tudo e todos. Alastram-se feito uma pandemia e pedem urgentemente uma trégua para descanso e resguardo.

As palavras desanimadas querem ser deixadas em paz, quietas no seu canto, sem perturbação. Neste momento estão fazendo uma combinação com as palavras felizes e animadas, que aguardam saltitantes seu momento de serem ditas!

A palavra silêncio está em extinção e os poucos exemplares que restam da espécie exigem ser respeitados e homenageados com alguns minutos mudos.

As palavras-fofoca, por sua vez, são as que têm provocado maior barulho e confusão. Elas têm feito os humanos brigarem e poluído a imagem de muita gente. Isso causa o surgimento de uma nuvem abafada e cinza de letras desordenadas e contagiosas.

As palavras proféticas advertem que isso causará uma chuva ácida devastadora.

As palavras destrutivas, as tristes e, sobretudo, as inúteis estão exaustas de tanto serem pronunciadas. O Ministério da Poluição Sonora adverte: é imperativo que haja uma redução significativa de emissões desse gênero. Falar demais faz mal à saúde. Os ouvidos humanos também merecem respeito e o que é falado é formado.

Palavras generosas e bonitas desejam um canteiro, Sol e água para poderem nascer com mais força, curar feridas e promover harmonia.

As palavras-elogio também esperam ansiosamente por serem proferidas, pois querem exercitar seu potencial de incentivo e motivação. Olham com tristeza as palavras-bajulação tomarem seu lugar.

A palavra amor avisa, a quem quiser ouvir, que detesta ser confundida com moleza ou dó e que quer ser difundida nas multidões e não apenas ser sussurrada a dois.

Conceitos e palavras comuns, veiculados na mídia e repetidos pela multidão, estão com a autoestima baixa. Cansaram-se de ser repetidos e aceitos sem critério. Lançam inclusive um apelo: quem não viu com os próprios olhos, favor não repetir sem analisar!

Já as palavras originais e reflexivas estão carentes e pedem alguma atenção, pois só nascem da introspecção e não têm conseguido prosperar a contento. Ninguém lhes dá atenção.

Todas as palavras exigem também ser sentidas porque não servem apenas para serem faladas. A linguagem precisa combinar com o sentimento. Quando a palavra dita não traduz a palavra pensada e sentida, tem início uma briga e um conflito perturbador de significados.

As palavras andam indignadas com essa confusão!

Em conjunto, elas também explicam que não são seres solitários e autônomos, mas que têm sempre uma letra presa na boca de quem as disse. Por isso, elas, as palavras, reivindicam um uso mais cauteloso e um pouco de reflexão antes de serem pronunciadas, porque palavras são e formam! Elas têm vida e andam cabisbaixas pelo pouco caso com que têm sido tratadas.

Ai, palavras, ai, palavras, neste mundo das letras tudo se forma e também se transforma.

Depende do que é falado!

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